quinta-feira, novembro 26, 2009

Oh não! É outro “texto crítico” sobre “arquitectura portuguesa” *


















Não há grande coisa para escrever (um assunto por demais “esmiuçado”…) sobre o “estado” (“crítico”) da actual “arquitectura portuguesa”.
A arquitectura não conhece fronteiras e o circo da arquitectura portuguesa é, circa 2009, mais ou menos (e no essencial…) como o circo da arquitectura de outro país qualquer.
A arquitectura, à excepção das “arquitecturas (escritas ou desenhadas) de papel”, depende (como nenhuma das outras belas artes…), das “condições objectivas”. Portugal é um país pobre e periférico. A “arquitectura portuguesa” é pobre e periférica (e não há cá fenómenos de “globalização” que resolvam isto entre duas pernadas e um photoshop…)
Pensar a “arquitectura portuguesa” é como olhar para um copo meio cheio (ou meio vazio). Depende (tudo!) da sede com que se… vê.
Para alguns, mais deslumbrados que “optimistas”, a “arquitectura portuguesa” é “uma história (“cor-de-rosa”) de sucesso”! A “arquitectura portuguesa” e os arquitectos portugueses são um “produto” e uma “marca” com uma “identidade”, que se pode levar a passear (sem vergonhas nem outros embaraços) aos salões (reais ou virtuais) do(s) “estrangeiro(s)”… A “arquitectura portuguesa” é “capa de revista” (lá fora…), a “arquitectura portuguesa” é premiada (lá fora…), a “arquitectura portuguesa” é divulgada (lá fora…), a “arquitectura portuguesa”… é o Siza (o que felizmente – e dada a evidência… - nos dispensa a todos de outras e potencialmente inoportunas considerações…).
Para os que insistem em ver o copo “meio-cheio” (…) a “arquitectura portuguesa” é o “somatório” dos nomes dos autores e das obras de “excepção” (as tais que não envergonham ninguém…) fotografadas e publicadas (e raramente criticadas…) conforme os (ditosos) costumes da pátria.
Para os que por assim dizer (com sotaque) se amarram num copo “meio-vazio”, a “arquitectura portuguesa” é – precisamente pelos mesmos motivos… – um autêntico “filme de terror” (daqueles muito antigos… com “efeitos especiais”… “ultra-passados”…).
À margem (com incertas e más maneiras) “circulam” alguns (poucos) para quem o copo meio-cheio, ou meio-vazio, tem sempre a mesma “medida”…
Para estes, o debate sobre (e resumindo…) “formas & estilos”, peca por “desviar as atenções dos graves problemas” da… “arquitectura portuguesa”…
Para estes últimos, a “arquitectura portuguesa”, incapaz de reclamar a sua (devida) inclusão e (justa) participação nos mecanismos e instrumentos que decidem sobre a “transformação” da (destruída) “paisagem”, não passa de uma (quase inútil) “operação de charme”, destinado ao “ilusório encantamento” dos… iniciados…
É desta situação que, de uma maneira ou de outra, estes 15 projectos agora “seleccionados” (entre outros igualmente possíveis) “falam”.

Para o Museu da Fundação Iberê Camargo em Porto Alegre no Brasil, Siza Vieira construiu a última das suas “obras-primas”. É uma das melhores obras do nosso melhor arquitecto e é uma das melhores obras de (toda a história da) arquitectura da primeira década do novo século. O Museu é uma aula de “regionalismo crítico”. O Museu “mixa” programa e sítio, Lina Bo Bardi e Frank Lloyd Wright, com a experiência (acumuladas) das coisas experimentadas e a (habitual) mestria de “desenho” por todos (embora nalguns casos quase a “contragosto”…) reconhecida.
Moradias unifamiliares são encomendas características das “primeiras obras”.
Para os arredores de Grândola Luís Miguel Pereira projectou uma casa em betão aparente com portadas de madeira. É uma casa “duna”, meia “enterrada” no terreno arenoso, com cobertura ondulante e volumes “radi(c)ais”… O resultado desperta curiosidade e simpatia pela tentativa de (ente) cruzar as expectativas de uma encomenda (“burguesa”) com os diversos formalismos (Ghery, Hadid) do universo dos “starquitectos”. Desilude na análise mais atenta à organização do programa e à espacialidade do interior (onde “destoa” ou sobressai a lareira “cúbica”, perdida, a “atrapalhar”, no “living-room”). “Regionalismo crítico” pós DECON!?...
Estratégia semelhante (via Koolhaas…) para a casa (“emigrante”) Dr. Reginaldo Spenciere dos AUZPROJEKT e a “Cork House” (Koolhaas, H&deM, L&V…) dos Arquitectos Anónimos. A primeira, também predominantemente em betão, explora a similitude com a volumetria da construção vizinha à qual se “adossa”. A organização do programa e a pormenorização conferem-lhe a identidade (ansiosamente…) procurada. A segunda (também) recicla (pela enésima vez…) a “ideia” para “uma casa em forma de casa”, com “telhado” de “duas águas”. A organização interna é “pragmática” e directa, sem rasgos que a distinga. A “pele” (…) em cortiça, perdão, em “cork”, simplificam-na em demasia. A junção a outros materiais resulta confusa e a-tipicamente antipática. Será esse, aliás, o maior dos seus méritos.
Para a Arruda dos Vinhos, o Plano B projectou uma “petit cabanon” com arremedos e lembranças de Le Corbusier. A transparência e honestidade que envolveram as decisões do projecto e da obra (num meio profissional e “disciplinar” muito marcado por uma absurda “opacidade”…) abrem pistas para outros processos/projectos igualmente (quem tem medo de testar os limites dos “equívocos”!?...) “participativos”.
Se a casa da Arruda é uma primeira e pequena “experiência” (e justamente acarinhada enquanto tal), a casa Adropeixe de Carlos Castanheira é a confirmação (a “apoteose”?) de um “ciclo” (?) de moradias unfamiliares construídas em madeira.
É, pelo desenho e “natureza construtiva”, uma obra (ler acima…) de excepção…
Outro “território” de encomenda para alguns arquitectos especialmente seleccionados, têm sido os equipamentos escolares e os equipamentos ligados à “indústria do turismo”.
No âmbito do designado “Parque Escolar” Ricardo Bak Gordon projectou para a escola secundária D. Dinis um pavilhão multifuncional que preenche os interstícios das construções existentes. O resultado, com as “patologias” (de desenho) das muitas “arestas boleadas” e das janelas “sem escala”, encerra mais dúvidas que respostas. A “imagem” prisional, a ausência de amenidades e de “trabalho” sobre os espaços exteriores faz recear o pior sobre o (projecto) “modelo” da futura escola pública.
Outra escola, a Superior de Música na quinta de Marrocos do bairro de Benfica em Lisboa, dá continuidade (passe o paradoxo) ao discurso solipsista da irmã mais velha (Escola Superior de Comunicação Social do mesmo autor). A oportunidade “oferecida” pelo plano de Raul Hestnes Ferreira para a totalidade da quinta como um lugar urbano e civilizado parece agora definitivamente perdida no caos da sua própria arquitectura. Um local “exemplar” para estudar e aprender com o que foram os últimos 35 anos de… “arquitectura portuguesa”.
O Hotel Axis de Jorge Alburquerque explora com inusitado dramatismo – coisa rara entre nós… – a dramática localização (junto a uma “novi-rotunda”…). O contributo (positivo e negativo) para a “arquitectura portuguesa” está ainda por apurar e só o futuro o poderá comprovar. Nos entretantos, a promoção, a elevação, de Viana do Castelo a “capital” da “arquitectura (wallpaper) portuguesa” não passa de um “golpe” de “marketing”…
Outra “unidade hoteleira”, com uma escala e sentido de intervenção muito diferente, é o Hotel Rural do Paço do Pombeiro dos EZZO. A intervenção não se afasta muito do “modelo” mais habitual em casos semelhantes (recuperação de construções existentes, construção de uma “ala” destacada com um “bateria” de quartos novos). O mais interessante da obra é o cuidado posto no estudo da “célula” base que um projecto com estas dimensões e características permite. A “imagem” exterior substitui – sem grandes sobressaltos… – a estafada cartilha “tipo” Souto de Moura (planos vagamente “neo-plasticistas” em perpianho híbrido ou whatever…) pelo betão rosa da última extracção… suíça…
A intervenção no castelo de Castelo Novo de Luís Miguel Correia & Nelson Mota é exemplar na clareza com que enuncia e executa princípios (mais ou menos consensuais…) para a intervenção no património classificado e nos “monumentos”.
O pavilhão “Ar do Rio” dos GuedesdeCampos e o Pabellon Ayuntamento de Madrid de Sanina e Dantas exploram, cada um a seu modo e no contexto dos seus diferentes programas e funções, os efeitos gráficos de composições geométricas. Particularmente apropriadas para obras temporárias e de… “desgaste rápido”.
Para o fim ficam aqueles que me parecem ser as duas obras mais problemáticas (positivo) e ambiciosas de todo o “lote” das seleccionadas: o Arquivo Municipal de Loures de Fernando Martins e João Santa Rita e a Incubadora de Empresas de Vila Verde dos Contemporânea (MGD+EJV). O primeiro porque carrega o peso (“institucional”) de “fazer cidade” com um desenho “extremo” e de extremo rigor e abstracção. O segundo porque sabe que “fazer cidade” depende menos da boa vontade (e do “bom gosto”…) dos arquitectos que do desejo de uma apertada trama de referências (eruditas “e” – both and… - “populares”) capazes de construírem mais que espaços “sentidos”, espaços com (um qualquer e ainda que “fraco” ou “débil”) sentido. A posição marginal, à vila de Vila Verde e à própria “estrada nacional” que “serve” o edifício, dizem bem da nossa (in) capacidade para “incubar” as identidades da nova… “arquitectura portuguesa”…

Quanto ao resto, a “arquitectura portuguesa” é um lugar feliz. Um lugar onde até o próprio primeiro-ministro assinou projecto de arquitectura… Não se via nada assim desde que Thomas Jefferson…

* Exactamente conforme publicado no Yearbook "Arquitectura em Portugal" 08.09 da Workmedia (num quiosque - já! - perto de si...)
ODP (e o am) agradece(m) aos fellows Pedro Machado Costa, Pedro Gadanho e Tiago Mota Saraiva, agradece(m) ao Carlos Sant'Ana pelo (amável, generoso e despropositado...) convite e (ainda mais sentidamente...) ao editor Ricardo Batista.
À vossa (de todos) inteira (des) consideração.

14 Comments:

Blogger Unknown said...

na mouche, carago! Parabéns.

11:57 da tarde  
Blogger AM said...

oh, gracias :)

12:06 da manhã  
Blogger JFC said...

Regressado do Oriente (onde nascem os astros e as religiões!) JFC congratula-se com este sucesso crítico! Brilhante!
JFC o autêntico

12:50 da manhã  
Blogger alma said...

Parabéns, AM:)

Fabuloso :)
este Post merecia estar impresso a sanguínea :)))

JFC & AM:)

"Nunca em amor danou o atrevimento
Favorece a Fortuna a ousadia
Porque sempre a encolhida cobardia
De pedra serve ao livre pensamento.

Quem se eleva ao sublime Firmamento,
A Estrela nele encontra que lhe é guia
Que o bem que encerra em si a fantasia,
São u~as ilusões que leva o vento.

Abrir-se devem passos à ventura
Sem si próprio ninguém será ditoso
Os princípios somente a Sorte os move.

Atrever-se é valor e não loucura
Perderá por cobarde o venturoso
Que vos vê, se os temores não remove" LVC

2:28 da manhã  
Anonymous Dioniso said...

Gostei. Parabéns!

11:45 da manhã  
Blogger simoes said...

Muito bom!

5:21 da tarde  
Blogger simoes said...

premios construir?:)

5:40 da tarde  
Blogger AM said...

JFC

o único :)

alma

ODP e LVC lado a lado!? :)))
que despp... :)


dioniso

mt obg

simões

isso, obg
vou actualizar o "post" com o link

6:36 da tarde  
Blogger alma said...

AM,
a propósito :)))mais um :)))

"Os bons vi sempre passar
No Mundo graves tormentos;
E pera mais me espantar,
Os maus vi sempre nadar
Em mar de contentamentos.
Cuidando alcançar assim
O bem tão mal ordenado,
Fui mau, mas fui castigado.
Assim que, só pera mim,
Anda o Mundo concertado."
LVC

1:05 da manhã  
Blogger AM said...

ah, ah :)
adoro (amo) esse :)
tenho numa colectânea de poesia infantil :) da Sophia :)
e estou à procura para oferecer este natal :)

11:48 da manhã  
Blogger alma said...

Não querendo ser machista mais do que permite a força humana :)))
A sofia não é camões ...:)))

7:03 da tarde  
Blogger AM said...

sobre o grande zarolho :) recomendo (para o caso de não ter visto) o plano inclinado desta noite (de 28 de 11) :)
tem tudo a ver com o espírito desta posta... :)
e com os meus sonhos...

11:39 da tarde  
Blogger Francisco do Vale said...

“O verdadeiro crítico é aquele que não compreende a obra e antevê (um pouco) as razões por que não pode compreendê-la.”...

Tenho pensado nisto... mas como arquitecto já nem sei se penso ou se apenas deformo ideias.

8:28 da manhã  
Blogger AM said...

olá francisco

não que eu seja um "verdadeiro artista" da crítica, mas essa frase parece-me que anda muito lá por perto
a crítica é um bichinho (da ignorância) que nos fica a roer cá por dentro...
entre pensar e deformar tb não sei se vai uma grande distância... mas sei que deformar, dar outra forma, outra "volta", ajuda muito a pensar... pela nossa cabeça

1:19 da tarde  

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